25 março 2011

O PARADIGMA DO (DES)ENGANO



Ironia, verdadeira liberdade!
És tu que me livras da ambição do poder,
da escravidão dos partidos, da veneração da rotina,
do pedantismo das ciências, da admiração das grandes personagens, das mistificações da política, do fanatismo dos reformadores, da superstição deste grande Universo, e da adoração de mim mesmo

PROUDHON, J.[1809-1865]







Quis o destino que saísse de cena num dia de sol, ofuscado porventura pela claridade de inexistentes holofotes de uma fama efémera. Sempre foram 6 anos de circunstâncias contraditórias que, em alguns deixou marcas encantatórias, não suficientes contudo para lhe conferir o lugar que quiçá ambicionaria para si e para o séquito de aprendizes que constituiu. Com tiques e truques que, diga-se de passagem, produziram alguns efeitos especiais num universo limitado, que muitas vezes confundiu com uma realidade que raramente se deixa trair. Traição sim, já que personagens assim merecem o julgamento de quem os pôs em cena, o preço que se paga pela negação de princípios e pela violentação de aspirações legítimas. Quem fala e age com a autoridade de uma razão, disfarçada com aquele rigor que tantas vezes invocou para tomar as tais medidas que todos deveriam aceitar, porque provinham de um desígnio nacional, muito acima dos pequenos interesses, sonha e acorda agora, aparentemente espezinhado por aqueles que sempre protegeu e acarinhou. Quatro longos anos confortado por uma maioria, que esperaria algo diferente, não foi capaz de construir um edifício seguro para uma família desfavorecida, preferindo alimentar interesses, apadrinhar medíocres funcionários, proteger protectorados instalados, cimentar desigualdades. No limite, contribuiu para teorizar um paradigma de desencanto, protótipo de um desengano generalizado. Quem porventura levantasse a voz dentro de casa, era imediatamente silenciado, renegado para o armário das recordações, ou mesmo atirado borda fora, devidamente epitetado de extremista, radical, ou qualquer coisa do género.

Os que protegeu, agora querem mais, sempre mais, uma desmedida ganância que vem de trás, de muito longe. Que sempre se aproveitam da desgraça alheia, para se alcandorarem na cena, um patético espectáculo de mentira, alimentado pelos comentadores arregimentados pelas agências para-governamentais que, todos os dias, nos entram pelos ouvidos, pelos olhos, distorcendo a realidade.

Antes de sair de cena, digamos que preparou o terreno. Ninguém melhor que ele, para alimentar o paradigma do desengano. Uma brilhante jogada, alicerçada na tese de que os culpados da dívida pública são os funcionários, os reformados e os doentes. A realidade é contudo bem diferente, já que foram as políticas de redução fiscal que obrigaram as administrações públicas a endividar-se junto dos agregados familiares favorecidos, através dos mercados financeiros, de modo a financiar os défices gerados. Ou seja, com o dinheiro poupado nos seus impostos, os ricos puderam adquirir títulos (portadores de juros) da dívida pública, emitida para financiar os défices públicos provocados pelas reduções de impostos. De facto, o aumento da dívida pública é o resultado de uma política que favorece as camadas sociais privilegiadas: as “despesas fiscais” (descida de impostos e de contribuições) aumentaram os rendimentos disponíveis daqueles que menos necessitam, daqueles que desse modo puderam aumentar ainda mais os seus investimentos, sobretudo em títulos do tesouro, remunerados em juros pelos impostos pagos por todos os contribuintes. Este é pois um perverso mecanismo de redistribuição invertido, das classes populares para as classes mais favorecidas, através da dívida pública, cuja contrapartida é sempre o rendimento privado.

A cena, agora em regime de vacatura, está aberta a novos protagonistas. Aqueles que se perfilam, acobardam-se na mentira, na corrupção, no favorecimento de negócios especulativos e na destruição das políticas de desenvolvimento. Desses, não é de esperar coisíssima nenhuma, a não ser a malfadada austeridade, que recairá sempre e mais uma vez sobre os culpados do costume.

Recuando seria bom ao tempo das Farpas, onde se apelidavam alguns personagens da cena de canalhas, bandalhos e outros epítetos, ora politicamente incorrectos, mas cuja transposição não seria de todo despicienda…
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Referências:
Askenazy , P., (2009) “De la dette et la crise en Europe
Ziegler, J., (2002), “Les Nouveaux maîtres du monde et ceux qui leur résistent

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