11 agosto 2010

Mais um ciclo de crise do Sistema (3)


























O excelente artigo de António Vilarigues (AV) no Jornal PÚBLICO do passado dia 6 de Agosto, com o título “A culpa é do «Sistema» ”, na asserção futebolística, termina com nota em que o Autor faz referência à base de licitação do BPN, proposta pela CGD, no valor de 180 milhões de euros; curiosamente, AV invoca “a educação e o decoro”, como impedimento de escrever o que pensa sobre a matéria em apreço, deixando “à imaginação do leitor”, o resto… Claro que diz ainda, como é do conhecimento público, mas que vale sempre a pena lembrar, que o banco público injectou no BPN, 4 mil e quinhentos milhões de euros para sanear as contas, valor que é exactamente 25 vezes superior ao da base de licitação referida. Não custa muito utilizar o termo “escândalo”, para classificar o que AV decerto considera esta “golpada”, atrevendo-me a adivinhar, e já que não tenho quaisquer problemas de educação e o decoro, embora compreenda perfeitamente o Autor. A “golpada” é no fundo mais um roubo aos contribuintes e mais uma prova da falta de credibilidade de um poder subjugado à Banca, sempre negado pelos responsáveis, mas que a prática confirma em todas, repito, todas as situações. Este apenas um dos indicadores da falência do «Sistema» e da crise que arrasta irremediavelmente aquelas e aqueles que vivem do produto do seu trabalho e que curiosamente são as e os que pagam sempre, desmandos como este.

Compartilho com AV a tese que considera como a principal prioridade da organização económica, a satisfação das necessidades humanas e do trabalho social de uma sociedade. Mais, a criação de condições objectivas para a transformação da sociedade, só é possível através da valorização do trabalho. AV afirma então que é necessário “colocar como objectivo das relações sociais de produção, da actividade económica, não o lucro, mas a satisfação das necessidades humanas”. E ainda que “… o aumento dos salários e das pensões é uma condição essencial para o desenvolvimento económico e social. O aumento do poder de compra das pessoas e da satisfação das suas necessidades, fomenta a procura interna e consequentemente a actividade económica. Gera novos empregos e contribui de forma efectiva para a sustentação da segurança social. Mas também é uma condição para afirmação e fruição de direitos políticos, sociais e culturais.”

Os números que apresenta são redundantes: “A humanidade iniciou o século XXI com as 280 (!!!) maiores fortunas do planeta a deterem mais riqueza do que 2 mil milhões de pessoas (30% da população do globo…). Dez anos depois a situação alterou-se para pior”. Atenta ainda que “No final de 2010 o número de desempregados, só nos países do chamado G7, pode ultrapassar os 36 milhões (o dobro de 2007). E a nível mundial a OIT prevê que sejam 240 milhões. O produto mundial contrai-se pela primeira fez desde a segunda guerra mundial. Em 2009 a redução em 12% do comércio mundial foi a maior dos últimos 80 anos(1). Considerando que existe um capital de conhecimento mais que suficiente para erradicar a pobreza e a miséria, consubstanciado aliás, na Declaração do Milénio das Nações Unidas, aprovado na cimeira do Milénio, realizada em Setembro de 2000, em Nova Iorque, onde se reconhece a necessidade da “cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de carácter económico, social, cultural ou humanitário”. Particularmente no que concerne à erradicação da pobreza, diz-se “Não pouparemos esforços para libertar os nossos semelhantes, homens, mulheres e crianças, das condições abjectas e desumanas da pobreza extrema, à qual estão submetidos actualmente mais de 1000 milhões de seres humanos. Estamos empenhados em fazer do direito ao desenvolvimento uma realidade para todos e em libertar toda a humanidade da carência(2).

Em completa contradição com princípios e declarações, constata AV “Os activos detidos pelas CINQUENTA maiores empresas multinacionais não financeiras representavam em 2008 14% do produto mundial e era equivalente aos activos detidos pelas CINCO maiores empresas multinacionais financeiras”. No nosso País, segundo AV “Em 1975 a parte que as remunerações, sem incluir as contribuições sociais, representavam do PIB (Produto Interno Bruto) era de 59%. Depois assistiu-se a uma diminuição sistemática, alcançando com o governo de Sócrates, em 2009, menos de 34%! O país tornou-se mais desenvolvido com esta brutal inversão na distribuição da riqueza? É óbvio que não. Mas, em paralelo, os grandes grupos económicos e financeiros entre 2004 e 2009 tiveram 32,8 mil milhões de euros de lucros líquidos. E as fortunas das QUATRO famílias portuguesas mais ricas totalizam 7,4 milhares de milhões de euros (quase metade do défice!!!). E um gestor executivo de uma empresa do PSI 20 ganha, em média, mais de 50 mil euros brutos mensais (1 666 euros por dia). Há quem, com mais sorte, chegue aos 8 500 euros/dia”.

O Autor conclui, afirmando que “A prática de quase 200 anos demonstra que tal (a satisfação das necessidades humanas) não será possível sem que a questão da propriedade e da apropriação privada das condições de produção seja posta em causa. Ou seja, pôr em causa a relação social (de exploração) que o capital corporiza. Qualquer outro caminho será sempre uma «fuga para frente». Conjunturalmente até poderá apresentar uma «saída», mas que não resolverá os limites e as contradições internas do sistema.”

Para quem ainda “acredita” nas virtualidades de um sistema (agora sem comas) corrupto, injusto e não-inclusivo, convém estar atento, por exemplo, às sucessivas declarações e tomadas de decisão dessa figura aterradora que é o Banco Central Europeu e da personagem ridícula que é o seu presidente. Agora sim, recorro mais uma vez, com a devida vénia, a AV: “a educação e o decoro impedem-me de escrever o que penso”…

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(1) In: alínea 4 do ponto I- Valores e Princípios da “Declaração do Milénio das Nações Unidas
(2) In: alínea 11 do ponto III – O Desenvolvimento e a Erradicação da Pobreza da “Declaração do Milénio das Nações Unidas
(3) Um agradecimento especial a António Vilarigues (Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação). Artigo completo, disponível em: http://ocastendo.blogs.sapo.pt/978210.html

08 agosto 2010

Intimissi to me?


Um homem sonha acordado
Sonhando, a vida percorre
E deste sonho acordado
Só acorda quando morre


António Aleixo



Como tudo que acaba / como pedra rolando numa fraga / como fumo subindo no ar / assim estou quase indiferente / caminhando sem mais notar a gente / que por mim vejo passar(1), oh, oh, é pois o Verão da canção, rima e é quase verdade, as coisas acontecem sem que a gente faça nada, quase nada, por isso, os corpos e o resto ao sol para, dizem, recarregar as baterias, qual aparelho eléctrico ou electrónico, com o qual nos comparam, vá lá saber-se porquê. Na mui digna Vila Real de Santo António, fomos parar, não para pensar, como também se usa dizer, mas simplesmente para curtir uns singelos dias de merecidas férias, privilégio de alguns, nos tempos difíceis que nos cabem em sorte. No extremo sudeste do País, zona raiana, cidade do Marquês de Pombal, conquilhas e bolas de Berlim, licores e amarguinhas que haveríamos de usar apenas para servir de apoio a conversas da treta pela noite fora, algumas compras, ao que parece mais baratas, jantares em deliciosas esplanadas, outros em casa, porque isto de jantar fora custa dinheiro (…), ele que está cara à brava, muito embora os portugueses estejam ora mais satisfeitos que nunca, já se escreveu sobre o tema, valha-me deus, que alguns ainda acreditam nisso, mas enfim, férias. Há ainda que dizer que, nesta terra, como em muitas outras aliás, manda o meu Benfica, é uma delícia para o ego, refiro-me ao meu, fomos ver o torneio, golos a rodos, até quem não é, passa a ser, devaneio que arrogo, ora os do Sporting que têm por lá uma pequena barraca, onde imagine-se se pratica uma coisa nunca vista que dá pelo nome de “futebolim”, os “nossos” têm uma Casa com gabarito. Mas há mais, que esta cidade traz á memória a minha querida Lisboa, capital que foi do império, capital que é do nosso Portugal, onde todos, que dizer a grande maioria, trabalha dia a dia por dias melhores. Melhor ainda, a memória do grande poeta Aleixo, com um Centro Cultural instituído à memória do Poeta, ostentando numa das praças centrais um monumento onde se pode ler o poema de apoio desta crónica de silly season, que serve, entre outras utilidades mais ou menos parvas como a época, para evocar outras mais ou menos sérias, se tal for o caso, fica ao arbítrio livre de cada um, pois livre é o pensamento e o sonho, sendo que este “É uma constante da vida / tão concreta e definida /como outra coisa qualquer”, que o Freire diz na sua filosofia da Pedra.

As pedras da calçada. Como as palavras se soltam, tal como elas, vem ainda á liça, muito a propósito o “absolutismo esclarecido”, que do Marquês aqui fazem testemunho, mas que, no espírito iluminista revitalizado pelos governantes, ditos socialistas, bem assentaria porventura ao chefe (deles), nesta fase do campeonato, apesar de o dito só começar para a semana que vem…

Ficam para memória dos dias, que a têm sem qualquer dúvida, o sol, sempre o sol, o Caminho dos Paus, o senhor Lidl, as arenguisses gitanas, as suas cantorias de vão de escada, os sempre atentos e atarefados mosquitos, as caminhadas para a bica em Monte Gordo, as alforrecas, os esbeltos corpos das raparigas que sempre apreciamos, a areia que se vai entranhando como que fazendo parte de nós, os jogos da bola na dita, a imaginação ao poder pois claro que, num arrebato retórico nos transportam ao Táxi Driver onde, ao que consta, Scorsese terá dito a De Niro para improvisar e dizer o que quisesse, na célebre frase do espelho, ora transformada no título mais parvo escolhido, diria melhor recolhido, ao mirar uma loja de roupa interior: “Intimissi to me?”


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(1)Citada de: “O verão”, por Carlos Mendes, Pedro Osório e José Alberto Diogo, 1968

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